Processo do padre Gabriel Malagrida
Crime/Acusação
heresia, inventor de novos erros heréticos, convicto, ficto, falso, confitente, revogante, pertinaz e profitente
Data da prisão
17/01/1661 (cárcere da Custódia)
Estado civil
solteiro
Estatuto social
cristão-velho
Idade
72 anos
Mãe
Angela Rusca
Morada
Lisboa
Naturalidade
Vila de Menaggio, bispado de Como, ducado de Milão
Origem
Inquisição de Lisboa
Pai
Jácome Malagrida, médico
Sentença
auto-da-fé de 20/09/1761. Excomunhão maior, deposto e degredado de suas Ordens, relaxado à justiça secular com mordaça e carocha com rótulo de heresiarca.
Cargos, funções, actividades
religioso professo da Companhia de Jesus, sacerdote, confessor, missionário e teólogo
Notas
O réu deu entrada nos cárceres da Inquisição vindo transferido do presídio do Forte da Junqueira, onde cumpria pena pela sua implicação nos desacatos contra D. José a 3 de Setembro de 1758, cujo processo correu pelo Supremo Tribunal da Junta da Inconfidência culminando com a sentença proferida a 12 de Janeiro de 1759. A leitura da sentença e respectivo auto-da-fé, decorreu nos claustros do Convento de São Domingos. Processo dividido em duas partes: A primeira parte inicia com a denunciação do conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho, no seu palácio em Nossa Senhora da Ajuda, feita a 29 de Dezembro de 1760 na presença do deputado do Conselho Geral, Francisco Mendo Trigoso, do secretário e notário António Baptista, e do notário Alexandre Henriques Arnaut. Seguem-se: uma certidão do secretário António Baptista sobre a consulta que o conde de Oeiras fez ao processo da Junta da Inconfidência contra os implicados no atentado de 3 de Setembro de 1758 contra o rei D. José, referindo o padre Malagrida e outros padres da Companhia de Jesus; denúncia do desembargador Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira, sobre os textos alegadamente produzidos pelo padre Malagrida e pelo seu companheiro de cela, o jesuíta Pedro Homem; denúncias do desembargador José António de Oliveira Machado, sobre a produção dos mesmos textos e sobre “as repetidas sessões” que o padre Malagrida “tinha com o padre António Vieira”, sobre a liberdade e tratamento dos índios, bem como com a “Rainha-mãe”; traslado do auto das perguntas feitas ao padre Malagrida no Forte da Junqueira a 16 de Dezembro de 1760 pelo desembargador e juiz da Inconfidência Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira; certidão, autenticada a 12 de Fevereiro de 1759 por José António de Oliveira Machado e por Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira, da sentença, impressa, proferida a 12 de Janeiro de 1759 pela Junta da Inconfidência para castigo dos réus implicados nos desacatos contra D. José; denúncia do guarda dos cárceres secretos da inquisição José dos Santos Pereira; denúncia de Francisco Cardoso de Faria; caderno, cuja produção é atribuída ao próprio padre Malagrida, intitulando-se o referido caderno de “Heróica e admirável vida da gloriosa de Santa Ana mãe de Maria Santíssima, ditada pela mesma Santa, com assistência, aprovação e concurso da mesma Soberaníssima Senhora e seu Santíssimo Filho”; o caderno, mostrando ser um borrão, intitulado “Livro 2.º Da religiosa Vida de Santa Ana”, cuja produção é atribuída ao companheiro de cela o jesuíta Pedro Homem; um segundo caderno, cuja produção é atribuída a padre Malagrida, intitulado “Tractus de vita et Imperio Antichristi”; auto das perguntas feitas ao padre Malagrida no Forte da Junqueira a 16 de Dezembro de 1760 pelo desembargador e juiz da Inconfidência Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira. A segunda parte, que inicia com o primeiro exame e confissão do réu nos Estaus e Casa segunda das audiências da Inquisição a 21 de Janeiro de 1761 e finaliza com uma certidão de Estêvão Luís de Mendonça, notário da Inquisição datada de 20 de Setembro de 1761, certificando que após a leitura da sentença do padre Malagrida, o referido padre pediu audiência, sendo ouvido pelo inquisidor Luís Barata de Lima na Casa do Despacho, no convento de São Domingos, alegando o réu querer defender-se sobre as revelações que tivera, uma vez que só na sentença é que foram consideradas como falsas, não tendo podido defender-se no tribunal onde as mesmas não foram julgadas, razão pela qual as defendeu e sendo aconselhado a seguir os conselhos dos padres para salvação da sua alma, ao qual respondeu “antes queria morrer do que dizer o contrário do que tem confessado e na realidade se havia passado”. Contém entre outros, os traslados dos textos escritos pelo padre Malagrida, revisão e censura dos mesmos, bem como denúncias, feitas pelo frei Luís do Monte Carmelo e pelo frei Inácio de São Caetano; denúncia de António Gomes Esteves; libelo da justiça como autora contra o referido padre; traslado do mesmo libelo; um recibo assinado pelo padre Malagrida acusando a recepção de 600 mil réis da Marquesa do Louriçal sobre uma promessa que fizera a Nossa Senhora das Missões, se a mesma lhe concedesse ao menos uma filha; o auto de notificação de mãos atadas. Fruto da integração dos documentos encontrados e identificados como "Apartados da Inquisição de Lisboa, n.º 8064, Pe. Gabriel Malagrida, Pasta 18". Encontra-se junto ao processo, mais precisamente no fim, parte de uma certidão do traslado de algumas declarações retiradas deste processo, feita em Lisboa no Santo Ofício a 4 de Fevereiro de 1762, pelo escrivão Francisco de Sousa e concertado pelo notário Estêvão Luís de Mendonça, e ainda, uma ordem da Mesa do Santo Ofício, datada de 14 de Outubro de 1761, dirigida ao comissário de Setúbal, António Calça Godinho de Carvalho, cuja resposta foi dada na mesma, a 20 de Outubro de 1761. Esta ordem impunha “reduzir a pó e cinzas” pinturas, esfinges e azulejos ou qualquer outra espécie de imagens do padre Malagrida existentes num recolhimento de Setúbal. O comissário Godinho, no cumprimento desta ordem, dirigiu-se ao recolhimento de Nossa Senhora da Saúde, onde detectou as referidas imagens, encontrando-as na portaria do recolhimento. A figura do padre encontrava-se representada num quadro de azulejo dividido em três partes, numa das representações o padre Malagrida estava pregando num púlpito para a multidão desta cidade “figuras que representam o povo de Setúbal”, noutra acção estava o dito padre com o Santíssimo Sacramento nas mãos voltado para o povo, na terceira parte encontrava-se “paramentado com a custódia do Sacramento nas mãos encontrando-se à sua frente várias insígnias, povo e comunidade religiosa e irmandades”. Uma vez que neste azulejo se encontrava retratada a imagem da regente do recolhimento foi mandado arranca-lo e ser recolhido para interior do recolhimento. Continua informando o comissário que logo que teve notícia da execução do padre Malagrida, na Praça do Rossio, e que perante informação das próprias recolhidas de Nossa Senhora da Saúde de que os retratos do padre Malagrida ainda aí se encontravam, os mandou “reduzir a pó e picar as paredes nas partes em que estava o referido azulejo”, tendo tudo sido “lançado ao rio”. Informa ainda, que não constando haver mais nenhuma figura do padre, mas que fica conservada a memória do mesmo no que resta do azulejo, uma vez que nele ficam representadas as obras e acções, como também se acha no mesmo o seguinte padrão: “Estando o Santíssimo Sacramento de pela manhã até ao sol-posto na tribuna de São Julião desta vila, estando o Sepulcro cheio de cera todo o dia no mês de Maio de 1751, e não podendo a irmandade da freguesia assistir com o gasto de toda a cera, o fez um devoto, e ardendo o dito dia a cera se não gastou mais, que tão-somente os bicos das velas, o veio apesar a diminuição da cera tão-somente dois arráteis. A Senhora das Missões gratificou logo ao mesmo devoto passados três dias fazendo-lhe uma mercê especial”.